2 de jul. de 2008

O Processo de Mumificação

O termo múmia é resultado de um engano: corpos trabalhados com resina derretida, em fase tardia da civilização egípcia, adquiriam uma cor escura que os árabes julgaram erroneamente ser decorrente do uso de pixe ou asfalto (em árabe, mummiya).

(...) De início, na primeira parte do III milênio a.C., a mumificação propriamente dita não existia: o que se tentava era preservar a forma exterior do cadáver, apertando-o em diversas camadas de tiras de pano de linho embebidas em resina (...). Foi no século XXVII a.C., sob a IV dinastia, que começou a mumificação propriamente dita, ao ter início o processo de retirada dos órgãos internos do morto (sempre deixando o coração - essencial por razões das concepções acerca da personalidade - e nas primeiras fases muitas vezes também o cérebro, embora também pudesse ser retirado pelo ponto em que a cabeça se insere no pescoço) através de uma pequena incisão do lado esquerdo do abdome, em seguida furando o diafragma para ter acesso também aos pulmões (um método alternativo consistia em injetar pelo ânus um líquido dissolvente, deixando-o por vários dias no interior do corpo): de fato, como fígado, estômago, intestinos e pulmões decompõem-se rapidamente, retirá-los ou dissolvê-los aumentava muito a possibilidade de preservação. Foi também na mesma época que se abandonou o enterro em posição fetal, substituída pela postura estendida. Para tornar o cadáver semelhante à aparência que tivera em vida, usava-se no Reino Antigo enchê-lo de recheios de palha, serragem e trapos; por vezes, o rosto era maquiado.

(...) E no Reino Novo, a retirada do cérebro - agora pelo nariz, quebrando-se um dos ossos nasais para inserir um gancho ou pinça - de esporádica que era, tornou-se a regra.*


(...) os passos mais importantes da mumificação completa: 1) remoção de muitos dos órgãos internos (preservados separadamente; no Reino Novo, postos em jarros cujas tampas representavam os quatro filhos de Hórus, deuses protetores); 2) cobertura, com um sal de sódio, o natrão, que (...) tem propriedades desidratantes e antissépticas, do corpo já esvaziado (...); 3) uma vez terminado o ressecamento pelo natrão, tratamento da pele para devolver-lhe mediante certas substâncias alguma elasticidade; 4) preenchimento das cavidades do corpo, resultantes da remoção de órgãos, após lavagem com vinho de palmeira (segundo Heródoto), com recheios que variam segundo a época (sendo que, em alguns períodos, as vísceras embrulhadas eram repostas dentro do cadáver); 5) envolvimento do corpo (começando com cuidadosa moldagem dos dedos e dos órgãos genitais) com tiras de linho, entre as quais se punham amuletos especificados pela literatura funerária, atividade que consumia cerca de 15 dias; 6) a partir de fins do III milênio a.C., teve início o hábito de cobrir a cabeça da múmia com uma máscara que reproduzisse os traços que tivera em vida, muitas vezes confeccionada de tecido endurecido com gesso e posteriormente pintada e dourada, mais tarde, no caso de reis, feita de ouro ou prata com incrustações de lápis-lazúli e outros materiais preciosos. O processo mais completo de embalsamamento durava em princípio 70 dias (cifra ligada ao ciclo da estrela Sirius), mas há casos conhecidos em que tomou mais tempo. Todas as suas etapas eram acompanhadas da leitura de textos rituais por sacerdotes.






Retirado de:

CARDOSO, Ciro Flamarion. Deuses, múmias e ziggurats. Porto Alegre, 1999. pp. 117-118.

* Houveram séries de mudanças no método de preservação ao longo do tempo e também variantes regionais.



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